Até quando?

A resiliência humana tem sido colocada à prova nos últimos tempos. A pandemia trazida pelo novo coronavírus conseguiu furtar do ser humano até mesmo a indignação diante da morte. As perdas tornaram-se tão comuns que as pessoas foram se tornando frias, apáticas e quase mecanizadas das mazelas de seus pares. Uma demonstração de que a Humanidade – em que pese bastante evoluída na Ciência – ainda está bem distante de atingir a maturidade necessária para enxergar no outro um irmão, alguém que mereça respeito e solidariedade. Nesse sentido, tivemos uma grande oportunidade de nos humanizar, aprendermos que, juntos, somos mais fortes, até mesmo diante de catástrofes naturais, absolutamente fortuitas à ação humana.

Entretanto, espalham-se pelo mundo os casos em que, como já definia Rousseau, “o homem é o lobo do homem”, de tal forma que, por maldade ou interesses escusos, aqueles que deveriam servir e proteger, acabam fazendo radicalmente o contrário. E assim aconteceu com o jovem José Vandeílson Silvina de Souza, no interior do Maranhão, Nordeste do Brasil.

Portador de Esquizofrenia, o garoto depende totalmente do sistema público de saúde para viabilizar o seu tratamento. Até conseguir o primeiro atendimento e iniciar as medidas profiláticas para amenizar  a patologia que o acomete, passou por uma verdadeira peregrinação, até conseguir atendimento médico em localidade consideravelmente distante do local de sua residência. Um constrangimento já inaceitável, mas que os moradores da região encaram como sendo algo corriqueiro, haja vista ser  essa a forma de tratamento do Estado para com o seus cidadãos.

Sem acesso a atendimento psicanalítico, terapia ocupacional ou meios de tratamento complementares, está o jovem refém das medicações controladas de altíssimo custo, as quais deveriam ser fornecidas pelo poder público. Evidenciando o descaso do sistema de saúde, mesmo sendo paciente grave, com necessidade de uso da medicação específica de controle à Esquizofrenia, o Estado deu de ombros ao menino, o qual apenas restou medicado devido à caridade de seu médico cuidador, o qual fazia questão de doar as amostras grátis que recebia dos propagandistas laboratoriais.

E dessa forma improvisada foi sendo levado o tratamento do rapaz, cuja humilde família ainda sentia-se grata por, de alguma forma, haver tratamento para o infante. Instituições inoperantes e omissas não cumpriram seu mister de proteger o menor e exigir, inclusive judicialmente, o melhor tratamento para a patologia que estava ceifando a infância e adolescência. O senso de humanidade que aflorou do grande médico que se preocupou com o bem-estar do rapaz e lhe deu os remédios faltou nos órgãos municipais responsáveis pela saúde, pela juventude e, sobretudo no Conselho Tutelar, que detinha obrigação institucional de levar a situação ao auspício do Ministério Público.

Apenas até nesse ponto o caso já seria gravíssimo, com providências a serem tomadas. Mas seus desdobramentos tornaram-se dramáticos. O médico – homem de elevada moral – tombara na batalha contra o coronavírus. Justamente por estar exposto sem as mínimas condições sanitárias de segurança, acabou contraindo a Covid-19 e perdendo sua vida em meados de 2020. E como ficaria o jovem José, o qual dependia desse grande profissional da saúde para lhe fornecer a medicação? Estava, o menor, entregue à própria sorte. Entregue ao caos do Maranhão, por melhor dizer.

Sem remédios e sem atendimento, as crises começaram a se tornar recorrentes na vida do jovem José. E o menino que antes despertava olhares de compaixão dos vizinhos e comunidade em geral, tornou-se um problema. Forma, aliás, como muitos deficientes mentais são vistos. Como um inconveniente. O medo e o preconceito induzem a um isolamento social do doente tão grande que chega a agravar o quadro clínico, tornando-se cada vez mais difícil o regresso à normalidade. Nesse panorama, constitui-se um verdadeiro complô espúrio, com objetivo de afastar aquela pessoa da sociedade. E, com o menino José, foi exatamente o que aconteceu, mas com um agravante inaceitável: o apoio, coordenação e custeio por parte do Estado.

O Conselho Tutelar do Município de Alto Alegre do Maranhão, cujo dever institucional seria proteger as crianças e os adolescentes, fazendo valer o tão celebrado ECA – Estatuto da Criança do Adolescente, fizeram exatamente o contrário. Segundo relatos da família e fontes consultadas pelo Portal V&L, em uma crise do jovem, conselheiros tutelares foram até a residência dele, determinaram a saída dos familiares da casa e, à força, tiraram o menino de dentro do seu quarto. Quase um ano depois, ninguém da família sabe do paradeiro do menino. Menino que virou homem fora de casa, porque hoje José já é maior de idade. Uma artimanha cruel, inadmissível, o que deflagra um comportamento verdadeiramente marginal daqueles que o praticaram, em arrepio à lei e a qualquer mínima definição de humanidade. O destino do rapaz, nas mãos de Deus, na esperança da família pelo reencontro. Ao poder público, a Justiça implacável. Enquanto isso, a todos nós só resta a pergunta que não quer calar: até quando?

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Imagem do Twitter

Você está comentando utilizando sua conta Twitter. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s